A Lona Azul

por Edmar Conceição


Da minha janela, acostumava contemplar um vazio de capim e areia. Era lá, no vão de nossos despropósitos infantis, que se erguiam lonas estreladas, escondendo a magia do picadeiro. Quando chegava a noite, eu e o meu riso descomedido, sentíamos cada fração de segundo dentro de nós, mesmo na provocação lenta e calculada do relógio de minha Vó Indalice.

Mas não eram os espetáculos circenses que me atraíam, mesmo na curiosidade tamanha de onde a dançarina surgira dentro da pequena caixa de madeira, mesmo com todo o frio na barriga a cada salto mortal do trapezista, mesmo com toda gargalhada provocada pelas pilhérias indecentes do palhaço colorido de botas compridas.

Na verdade, sempre gostei do circo pelos seus arredores, pela sua capacidade de contagiar minha cidadela. Parecia que todo mundo virava artista, reproduzíamos as piadas mais engraçadas, equilibrávamos no muro da escola e arriscávamos, sem muita sorte, malabarismos com laranjas verdes.
Minha timidez me atrapalhava um pouco, mas me dava bem na mágica do baralho que minha mãe me ensinara. E por falar na Mãe Quezinha, era difícil achar alguém tão entusiasmada com o circo, comentava cada número: “esse foi fraco”, “já esse foi bem bolado”, “vamos bater palma pra esse também, eles vivem disso!”. Minha mãe ainda se envaidece quando relata que “no tempo dela” já participou de “truques” circenses. Guardo comigo uma fotografia dela na qual “um carrasco” simulava atravessar uma faca no seu pescoço.

Até mesmo com a partida do circo, seu efeito perdurava. Conheço vários amigos que ainda sentem saudade do palhaço Risadinha. Dava gosto ouvir as narrativas noturnas, dos gatos que foram roubados para servir de comida aos leões, de quem fugiu com o circo e do desconsolo de quem se apaixonou pela bailarina e sabe que dificilmente ela vai retornar.

Hoje fui ao circo duas vezes, Marcos Cesário pediu uma crônica sobre esse espaço onírico. Como antes, minha escrita ganha cadência no pulsar da arquibancada, embaixo desta lona azul do Circo Internacional Europeu, encanto-me com o brilho nos olhos do meu filho ao ver o acrobata voar, com a tentação da beleza do algodão doce ou com qualquer palma ou riso que rompa com nossas cercas cotidianas, fazendo-nos mergulhar no belo mistério itinerante do nosso próprio porvir.
Curioso, às vezes acredito que, todos os dias, ergue-se diante de nós uma lona azul, mas, infelizmente, parece que esquecemos onde enterramos nossos talentos e peraltagens. Qualquer dia desses, eu arrisco um salto do trapézio. Vai ser sem rede.